segunda-feira, dezembro 8, 2025
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Congresso pressiona por atuação do Exército nas fronteiras contra facções


Com MS na rota da coca, CPI quer cooperação militar e R$ 30 bilhões por ano para combate ao crime organizado

Congresso cobra Exército na fronteira e pressiona por sistema contra facções
Militares em treinamento na fronteira com o Paraguai (Foto: Divulgação)

Livre da tutela militar que remonta ao período colonial e se encerrou simbolicamente este ano, com a condenação e prisão de oficiais envolvidos na tentativa de golpe de 2022, o Congresso decidiu, enfim, legislar sobre o papel das Forças Armadas como participante do esforço institucional para enfrentar o avanço das facções criminosas que transformaram o Brasil, especialmente Mato Grosso do Sul, em corredor de drogas.

O Congresso Nacional intensifica esforços para ampliar a atuação das Forças Armadas no combate ao crime organizado nas fronteiras brasileiras. A medida prevê maior participação militar em ações de inteligência, monitoramento e apoio logístico, sem substituir o trabalho policial. O Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) é apontado como ferramenta essencial. Para viabilizar as ações, o Congresso destinou R$ 5 bilhões extras ao Ministério da Defesa para 2026. Uma nova Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre as apostas esportivas deve gerar cerca de R$ 30 bilhões anuais para o combate ao crime organizado. Especialistas e parlamentares defendem a integração entre órgãos de segurança, sem subordinação entre as instituições.

Especialistas e parlamentares ouvidos pelo Campo Grande News são unânimes ao defender atuação mais efetiva do Exército nas fronteiras com países produtores de cocaína (Bolívia, Colômbia e Peru) e o Paraguai, onde se abrigam facções e operam entrepostos de drogas. Nesse contexto, o uso do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) é apontado como ferramenta essencial para auxiliar ações de polícia.

Relator do PL (Projeto de Lei) Antifacção e da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Crime Organizado, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) afirmou ao Campo Grande News que as Forças Armadas não atuarão diretamente no combate à criminalidade em geral, mas considera urgente reforçar a presença do Exército nos corredores por onde passam armas e drogas. “As Forças Armadas têm atribuição de proteção das fronteiras, e é justamente por elas que ingressam armas e drogas”, disse.

Ele lembra que o Exército tem legitimidade para agir nos 150 quilômetros da faixa de fronteira terrestre e pode integrar forças-tarefa quando necessário. “Isso não impede cooperação. Vamos deixar isso mais claro no texto: o formato que desenhamos é o preferencial, e outras atividades podem acontecer. Elas têm papel fundamental nas fronteiras. E esse papel exige investimento, mais qualificação, mais pessoal e tecnologia.” Na costura política para oferecer ao governo alternativas consistentes de enfrentamento, o relator evita criar hierarquia ou subordinação entre órgãos: “Não existe subordinação das Forças Armadas à Polícia Federal. Existe coordenação administrativa. Cada força tem autonomia, vivemos num pacto federativo.”

R$ 5 bilhões extras e a promessa de destravar o Sisfron

O Congresso já destinou R$ 5 bilhões extras ao orçamento do Ministério da Defesa para 2026, recursos que devem impulsionar o Sisfron, ainda precário apesar de cerca de R$ 11 bilhões já investidos em equipamentos, muitos deles obsoletos. “Se os R$ 5 bilhões já destinados não forem suficientes, o Congresso vai realizar o processo necessário”, assegura Vieira.

Parte dessa cobrança ganhou força a partir de depoimentos na CPI. O senador Angelo Coronel (PSD-BA), que acompanha a execução do Sisfron, afirma que o sistema está “com apenas 30% do cronograma inicial” cumprido e, no ritmo atual, pode terminar “lá pelo ano de 2065”. Coronel considera inaceitável: “Se o nosso problema é a droga entrando no Brasil, se são as facções, não entendo por que o governo não ataca o problema. Todo mundo sabe onde está o foco”. Para ele, a conclusão do Sisfron, com satélites e pontos físicos de vigilância em localidades estratégicas, é condição para “ações pontuais e mais efetivas”.

O senador Nelsinho Trad, suplente da CPI, também vê o Sisfron como essencial, mas ressalta que o sistema somente terá impacto real quando concluído e integrado às demais instituições. “É muito bom. A inteligência é fantástica. Mas não está funcionando porque precisa ser concluído.”

O fundo das bets e o financiamento do combate às facções

A grande novidade do relatório apresentado nesta quarta-feira (03 de novembro) — e que deve ser consolidada na conclusão da CPI — é a criação de uma Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre as bets. Já pactuada com a área econômica do governo federal, a nova cobrança tem potencial de gerar cerca de R$ 30 bilhões por ano, recursos exclusivos para o combate ao crime organizado pela Polícia Federal, polícias estaduais, polícias militares e demais órgãos de inteligência e investigação.

“Sem orçamento não adianta falar em segurança pública”, afirma o relator. Vieira destaca que o fundo traz “dinheiro novo em volume muito mais alto do que qualquer outro”. E que, ao vinculá-lo diretamente à repressão de facções, elimina a captura corporativa: “Questões salariais e demandas internas devem ser atendidas no orçamento regular. Aqui tratamos de medidas especiais para combater o crime organizado.”

Congresso cobra Exército na fronteira e pressiona por sistema contra facções
Equipamentos para ativação do Sisfron (Foto: Divulgação)

Militares nas fronteiras: unanimidade nas entrevistas

O consenso político em torno da participação militar nas fronteiras aparece com clareza nas declarações reunidas pelo Campo Grande News. O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), general de Exército da reserva e ex-comandante da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, defende a ampliação da atuação do Exército no apoio às ações contra o tráfico. Ele lembra que as Forças Armadas já atuam na faixa de fronteira, com poder de polícia formalmente legalizado.

“Sempre podemos evoluir e apoiar mais as demandas do país, sem esquecer que a missão principal é a defesa da pátria.” Mourão pondera que, nas áreas sensíveis, o Exército busca manter maior proporção de profissionais do que de recrutas e conclui: “Julgo que as Forças Armadas terão que dar uma contribuição maior do que têm dado hoje.”

O deputado Vander Loubet, do PT-MS, segue a mesma linha. Para ele, a participação de Exército, Marinha e Aeronáutica é “importante e necessária”, sobretudo para compensar o déficit de efetivos e a dificuldade de patrulhamento contínuo. Ele frisa que foi o presidente Lula quem sancionou, ainda em 2010, a lei que ampliou a atuação militar em patrulhamento e fiscalização.

A senadora Tereza Cristina (PP) concorda, mas ressalta que o Exército não pode ser subordinado institucionalmente à Polícia Federal: integração, sim — vinculação, não.

Cooperação, retaguarda e inteligência

Nas palavras do deputado Dr. Luiz Ovando (PP), a atuação militar não pode ser confundida com protagonismo policial. Ele defende o Exército como “retaguarda”, capaz de oferecer informações privilegiadas e reforço de vigilância. Ovando também aponta o Sisfron como instrumento para aproximar militares da realidade das operações.

No campo técnico, a visão convergente vem do professor Francisco Teixeira, da UFF (Universidade Federal Fluminense). Segundo ele, a legislação brasileira já atribui às Forças Armadas papel de proteção na faixa de fronteira, contemplando crimes transfronteiriços como tráfico, contrabando e exploração ilegal de recursos.

Mas o papel é complementar, jamais substitutivo: “O Exército não é preparado para função policial. Soldado não prende, não usa algema.” Ele vê o emprego militar nas funções de inteligência, monitoramento aéreo, logística e vigilância como adequado e necessário.

Teixeira chama atenção para uma fragilidade estrutural decisiva: a falta de recursos nos quartéis. Quando o orçamento mensal se esgota, quadrilhas e contrabandistas “operam com folga”. E alerta que, hoje, a principal rota já não é só o eixo do Mato Grosso do Sul, mas a Rota do Solimões, controlada pelo Comando Vermelho e pela Família do Norte. “É essa rota que precisa ser vigiada pelo Exército e pela Polícia Federal.”

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Diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno (Foto: Reprodução)

Ceticismo e alerta de entidades de segurança

Na outra ponta do debate, a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, disse, em entrevista ao Estadão, que o Exército “se recusa na prática” a atuar de forma integrada e efetiva com as forças de segurança locais. Para ela, o controle fronteiriço passa por investimento e ampliação dos efetivos da PF (Polícia Federal) e da PRF (Polícia Rodoviária Federal), mas também por engajamento militar mais profundo. O historiador Francisco Teixeira ressalva, no entanto, que o Exército não quer assumir o papel da polícia.

O delegado federal Leandro Almada, diretor de inteligência da PF, adotou postura intermediária no depoimento que prestou à CPI do Crime Organizado. Ele considera os militares “parceiros” e reconhece seu “poder legal e legítimo” para atuar nos 150 km de fronteira. Mas alerta que o combate ao crime transnacional não se resolve com soluções físicas ou militarizadas. “É inteligência, cooperação e fortalecimento das polícias. Isso exige recursos, investigação estruturada e responsabilidade compartilhada, sem terceirizar o problema às Forças Armadas.”

O CCPI (Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia), coordenado pela PF, reúne instituições nacionais e estrangeiras na prevenção e investigação de crimes na região amazônica. O Exército participa, mas na condição de “outra agência”. A estrutura não confere papel central à única instituição que possui efetivo físico permanente ao longo de 17 mil quilômetros de fronteira. A presença militar fica restrita a operações conjuntas contra crimes ambientais, garimpo e ilícitos específicos.

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Inauguração do Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia (Foto: Ricardo Stuckert/Agência Brasil)

A CPI e o desenho do modelo militar

O presidente da CPI, senador Fabiano Contarato, evita antecipar posição pessoal, mas admite que a comissão discutirá o tema e que deve apresentar recomendações. “Se não for propositiva, vira palanque político. Tem que propor, endurecer penas, articular Executivo, União, Estados e Municípios. Segurança pública exige orçamento.” Nelsinho Trad complementa: “Tudo que vier para aumentar a segurança e endurecer contra facções, eu sou a favor. Mas precisa organizar o comando.”

O movimento do Congresso, alinhado a uma mudança de entendimento no Palácio do Planalto sobre o real poder das facções, também responde ao alerta continental verbalizado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, segundo quem nenhum país que permita o fluxo de drogas para território norte-americano está livre de ataques como os realizados contra a Venezuela.

No mesmo dia, em negociação sobre retirada de tarifas americanas para produtos brasileiros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs a Trump um acordo de cooperação internacional contra o crime, gesto elogiado por Vieira: “Vejo com bons olhos a manifestação pública do presidente pedindo cooperação com governos estrangeiros, especialmente os Estados Unidos.”

Em declarações recentes, Lula faz seu próprio limite: “Não quero as Forças Armadas na favela brigando com bandido. Não é esse o papel das Forças Armadas. Enquanto eu for presidente, não tem GLO.”

Militares contra o crime pelo mundo

Congresso cobra Exército na fronteira e pressiona por sistema contra facções
A força militar do Estado de Michoacán, no México, participante da guerra contra o narcotráfico. (Foto: Agência Brasil))

O debate brasileiro sobre o papel das Forças Armadas nas fronteiras não acontece isoladamente. Em diversos países, a presença militar em operações contra narcotráfico e crimes transnacionais tornou-se resposta consolidada, ainda que cercada de críticas e dilemas institucionais. México e Colômbia são os dois exemplos mais emblemáticos: desde meados dos anos 2000, ambos empregam tropas em ações de vigilância, inteligência, cerco territorial, apoio logístico e cooperação com polícias federais no enfrentamento de cartéis e organizações criminosas.

No Peru, em zonas amazônicas e áreas de fronteira, Forças Armadas também são acionadas para conter fluxos ilícitos quando a estrutura civil não dá conta da capilaridade do território.

Esse movimento não se limita à América Latina. Nos Estados Unidos, a guinada da administração Donald Trump recolocou meios militares no centro de operações antidrogas, classificando cartéis como “organizações terroristas” e autorizando ações navais e aéreas contra embarcações suspeitas no Caribe e no Pacífico. O modelo rompeu com o paradigma tradicional, historicamente ancorado na DEA (Drug Enforcement Administration), agência antidrogas norte-americana, e reacendeu a discussão global sobre militarização de fronteiras e seus limites jurídicos.

Apesar dos formatos distintos, há um ponto de convergência: quando se trata de rotas internacionais, contrabando, tráfico de armas, droga e biomassa ilegal, os países tendem a acionar a capacidade tecnológica, logística e territorial das Forças Armadas. Satélites, radares, inteligência, transporte aéreo, controle de pistas clandestinas e monitoramento de rios e selvas aparecem como funções recorrentes — enquanto a repressão direta, prisões, investigação e contato com o crime organizado permanecem sob responsabilidade de polícias especializadas.

No Brasil, porém, o limite político foi verbalizado diretamente por Lula. A fronteira é vista como espaço de responsabilidade militar e de cooperação com órgãos civis, mas o emprego na repressão urbana é rejeitado com veemência: “Não quero as Forças Armadas na favela brigando com bandido.”

O consenso ouvido pela reportagem confirma essa lógica. Mesmo entre parlamentares que pedem reforço militar e ampliação da presença nas linhas de fronteira, não se fala em militarização da segurança pública. O papel é o de apoio, monitoramento, inteligência, cooperação e logística, nunca substituição do trabalho policial ou transferência de competências que pertencem à PF e às polícias estaduais.

Uma disputa estratégica: integração ou militarização?

Da ala técnica à ala política, um ponto se impõe com força: o Exército não substituirá a polícia. A fronteira militarizada pelo combate direto não encontra respaldo técnico, doutrinário ou jurídico entre os entrevistados. E se há divergências pontuais, a maior parte dos especialistas e parlamentares converge numa solução: investir em Sisfron, inteligência, compartilhamento de dados, operações conjuntas, mais qualificação e presença constante nos corredores do tráfico.

O professor Francisco Teixeira vai além: a demanda brasileira é o motor que alimenta a desestabilização na Bolívia e no Paraguai. Para ele, sem mudança estrutural, rotas mudam e facções se adaptam.

Alessandro Vieira, no centro do debate legislativo, sintetiza o desafio sem euforia: endurecer penas não basta. Marcola, lembra ele, já tem mais de 300 anos de condenação, e nada mudou. “Só muda se houver financiamento e integração no combate. Aí sim fazemos asfixia da facção”, afirma.



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